No âmbito da Consulta Pública relativa ao Projeto de Regulamento da CMVM n.º _/2019, relativo à Prevenção do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo (“Projeto de Regulamento”) submetida a 4 de fevereiro de 2019, vem o OPCR submeter à consideração de V. Exas. alguns comentários que julgamos adequados no contexto da análise efetuada ao Projeto de Regulamento, deixando igualmente algumas considerações numa perspetiva de aplicação prática enquanto intervenientes ativos no processo de adoção, implementação e monitorização dos procedimentos preventivos que o Projeto de Regulamento visa regular.
- Enquadramento
O Projeto de Regulamento, no contexto da publicação da Lei nº 83/2017, de 18 de agosto, (a “LBCFT”) e da Lei nº 97/2017, de 23 de agosto, destina-se a regulamentar a LBCFT no que diz respeito ao cumprimento dos deveres por esta imposta, não só às entidades financeiras sujeitas a supervisão da CMVM, mas também aos auditores.
O Projeto de Regulamento concretiza os aspetos de regime que a LBCFT remete diretamente para regulamentação da autoridade setorial impondo a adoção de procedimentos preventivos orientados à identificação do risco efetivo de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo existente nas atividades das entidades sujeitas à supervisão da CMVM.
O OPCR acompanhou com especial interesse, a publicação da LBCFT e o Aviso 2/2018, de 26 de setembro de 2018 do Banco de Portugal (“Aviso 2/2018”), verificando-se uma enorme complexidade na sua interpretação e articulação das disposições entre os dois diplomas que, do ponto de vista de aplicação prática, têm-se constatado alguns desafios relativamente a algumas matérias.
Os nossos comentários irão focar-se essencialmente na análise do Projeto de Regulamento diretamente aplicáveis às entidades financeiras.
A presente resposta tem como propósito contribuir para a discussão de alguns pontos fundamentais do Projeto de Regulamento, de modo a suscitar a revisão da redação de alguns artigos com maior acuidade, tentando prestar a sua contribuição para um maior alinhamento e articulação com a legislação em vigor, evitando replicar e/ou complicar uma interpretação já por si complexa da legislação relativa à Prevenção do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, facilitando assim a sua implementação e monitorização.
O OPCR entende que o Projeto de Regulamento carece e merece uma maior reflexão por parte da CMVM e em cuja discussão pública este Observatório gostaria de colaborar.
Neste contexto, remetemos os nossos comentários e/ou considerações na expectativa de contribuir para a clareza e maior simplicidade do seu conteúdo que sabemos ser o objetivo basilar da douta Comissão.
- COMENTÁRIOS
- Título I: Disposições Gerais
Consideramos que seria relevante alinhar as definições utilizadas no Projeto de Regulamento com aquelas já exaustivamente definidas na LBCFT e no Aviso 2/2018 de forma a existir uma articulação estreita entre os vários diplomas, permitindo clarificar e/ou atenuar quaisquer dúvidas que possam surgir relativamente a interpretações que a LBCFT e o Aviso 2/2018 já contemplam de forma clara e inequívoca. Assim, tomamos a liberdade de sugerir a seguinte redação, a introduzir num novo artigo sob a epígrafe “Definições”:
“Salvo disposição expressa em contrário, as palavras e expressões utilizadas neste Regulamento têm os significados e construções atribuídos no artigo 2.º da LBCFT.
Para efeitos de aplicação do presente Regulamento, entende-se por:
- Entidades obrigadas de natureza financeira – as entidades referidas no artigo 3.º da LBCFT, sujeitas à supervisão da CMVM, nos termos do disposto nos artigos 87.º e 88.º da LBCFT.”
Adicionalmente, notamos que são utilizados alguns conceitos indeterminados que carecem de uma definição própria no âmbito da sua concretização e densificação rigorosa e/ou remissão para as disposições normativas que substantivamente concretizam o alcance da sua utilização, obviando dúvidas interpretativas e pautando pela simplicidade e clareza.
Exemplos de alguns conceitos: “estrutura de controlo opaca”, referida no artigo 10.º, n.º. 4 alínea a); “agentes vinculados”, referido no artigo 12. Seria importante que a CMVM clarificasse se o conceito de “Agentes Vinculados” no âmbito da LBCFT, coincide com o conceito definido no n.º 2, 1/29, do artigo 4.º da DMIF II:
“Pessoa, singular ou coletiva, que sob a responsabilidade total e incondicional de uma única empresa de investimento em cujo nome atua promove serviços de investimento e/ou serviços auxiliares junto de clientes ou clientes potenciais, recebe e transmite instruções ou ordens de clientes relativamente a serviços de investimento ou instrumentos financeiros, coloca instrumentos financeiros e/ou presta aconselhamento a clientes ou clientes potenciais relativamente a esses instrumentos ou serviços financeiros.”
Constituindo a LBCFT um exercício de transposição normativa da diretiva n.º 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, mais exigente do que o regime preconizado por esta última, entendemos sugerir maior proximidade de regimes entre o previsto no Regulamento cujo projeto se encontra sujeito a consulta pública, em particular na medida a imposição de regimes distintos pode determinar uma desnecessária complexidade dos processos internos, deteriorando assim os níveis de controlo de instituições que, porque exercendo um escopo de atividade mais abrangente no setor financeiro, se encontram sujeitas à supervisão de várias entidades.
Neste particular, sugerimos a introdução de alterações às seguintes normas em matéria de dever de identificação e diligência:
- o artigo 8.º n.º 1 do Projeto de Regulamento, relativamente ao qual se entende que o regime no mesmo previsto deverá considerar prazo de diferimento similar ao já consignado no n.º 2 do artigo 26.º do Aviso 2/2018, isto é, 60 dias;
- o artigo 8.º nº 3 do Projeto de Regulamento, em relação ao qual entendemos dever permitir-se que, nos casos de risco baixo de branqueamento, a execução de ordens de transmissão ou oneração de instrumentos financeiros ou, mesmo de transferência de outros ativos do cliente, antes da integral verificação da sua identidade, aproximando assim do regime previsto na citada lei (artigo 26.º n.º 3 da LBCFT);
- o artigo 9.º do citado Projeto de Regulamento, que prescreve, também quando perante risco potencialmente baixo de branqueamento, requisitos adicionais face aos previstos na LBCFT e no Aviso 2/2018, entendendo-se sugerir a aplicação de regimes transversais, em particular atenta a relevância das entidades sujeitas aos mesmos deveres.
Note-se que, assentando o regime preconizado pela LBCFT na abordagem baseada no risco ao nível internacional, nacional, setorial e de cada entidade obrigada, as sugestões acima descritas em nada limitam a faculdade, por parte das entidades obrigadas, prescreverem regimes mais gravosos, não se vislumbrando contudo fundamento para a sua imposição de forma transversal e, por isso, arredia to referido conceito.
Por outro lado, o n.º 3 do artigo 9.º do Projeto de Regulamento, faz referência à obrigação da atualização dos elementos de identificação dos beneficiários efetivos com recurso a um conceito indeterminado (“com uma periodicidade adequada”), sugerindo-se – a bem clareza, o aditamento de em função do risco associado a cada cliente, não devendo ser superior a 5 anos, no que diz respeito a clientes de baixo risco”. Procura-se, também neste caso, manter a desejável consistência sistemática, assegurando a transversalidade de regime com o disposto no n.º 2 do artigo n.º 40.º da LBCFT.
Por outro lado, o dever de conservação previsto no artigo 51º da LBCFT resulta abordado no n.º 2 do artigo 10º do Projeto de Regulamento, merecendo porventura autonomização sistemática e transversal aos vários deveres.
Relativamente à restituição de bens no âmbito do dever de recusa, prevista no art. 13º do Projeto de Regulamento, parece-nos redundante a diligência requerida no nº 3 (exigência de obter a confirmação escrita de que o cliente se encontra corretamente identificado no intermediário financeiro de destino, considerando que a entidade indicada pelo cliente se encontra sujeita a idênticos deveres de Know Your Customer. Assim, entendemos que o n.º 3 do art. 13.º do Projeto de Regulamento deve ser suprimido.
O n.º 4 do art. 15.º do Projeto de Regulamento dispensa do cumprimento do disposto nos números anteriores as contrapartes que sejam sociedades com ações admitidas à negociação em mercado regulamentado e entidades sujeitas à supervisão do BdP, CMVM ou ASF.
De forma a completar o âmbito da exclusão, e uma vez que estamos a falar, de uma forma geral, de operações de mercado, devem ficar ainda contemplados no âmbito deste número:
- Mercados regulamentados (nos termos definidos no artigo 198º do CVM)
- Sistemas de negociação multilateral (nos termos definidos no artigo 198º do CVM)
- Sistemas de negociação organizados (nos termos definidos no artigo 198º do CVM)
- Contrapartes Centrais (nos termos definidos no artigo 258º do CVM)
- Contrapartes sujeitas a supervisão por autoridades setoriais na União Europeia ou em países com regimes consentâneos com o direito da União Europeia.
- Título III. Supervisão
O Projeto de Regulamento encerra em si deveres de reporte à CMVM que até aqui não existiam, nomeadamente o que consta do artigo 17.º em que deve ser remetido anualmente à CMVM um ficheiro de dados com as especificidades contidas no Anexo I ao Projeto de Regulamento. Sucede que as entidades obrigadas de natureza financeira que já estão obrigadas a reportar ao Banco de Portugal a informação prevista na Instrução do Banco de Portugal n.º 5/2019, de conteúdo e finalidades em tudo similar.
Assim, sugere-se que seja aplicado o Artigo 17.º do Projeto de Regulamento unicamente às entidades sobre as quais a CMVM tem competência exclusiva de supervisão, nos termos do Artigo 87.º da LBCFT, isentando as demais do referido dever.
O n.º 2 do artigo 17.º do Projeto de Regulamento menciona que “Ficam isentas do cumprimento da obrigação prevista no número anterior as entidades financeiras autorizadas a exercer atividades de intermediação financeira em Portugal em regime de livre prestação de serviços”.
Parece-nos existir um lapso já que o n.º 1 do Artigo 16.º do Projeto de Regulamento faz referência à verificação de, pelos menos, dois requisitos cumulativos para que a obrigação de reporte se verifique. Assim, a redação deverá ser complementada, nos seguintes termos:
“2 – Ficam isentas do cumprimento da obrigação prevista no número anterior as entidades financeiras autorizadas a exercer atividades de intermediação financeira em Portugal em regime de livre prestação de serviços, desde que não cumpram pelo menos dois dos requisitos necessários nos termos do n.º 1 do artigo anterior”.